Formação dos Itens Lexicais ou Sinais a partir de Morfemas
Os morfemas são unidades que podem ter funções lexicais ou gramaticais. Por
exemplo, as palavras casas, construção e impossível do português são
constituídas dos seguinte morfemas:
casa
-
s (plural)
constru- ção (nome)
possível- im (negação)
morfema lexical morfema gramatical
constru- ção (nome)
possível- im (negação)
morfema lexical morfema gramatical
Em LIBRAS, nem sempre os morfemas que formam as palavras são equivalentes aos
do português. Podemos, porém, ilustrar os morfemas da LIBRAS como se segue:
SENTAR - movimento
repetido (marca de nome)
BONITO - expressão facial ~~ (marca de grau aumentativo)
BONITO - expressão facial Ô (marca de grau diminutivo)
FALAR - 2 mãos e movimentos longos (aspecto continuativo)
PEGAR - Cl:5 Classificador para objetos redondos grandes
PEGAR - Cl:F Classificador para objetos pequenos e pequenos
PODER - movimentos da cabeça (negação): NÃO-PODER
POSSÍVEL - movimento inverso das mãos (negação): IMPOSSÍVEL
SABER - movimento da mão para fora (negação): NÃO-SABER
BONITO - expressão facial ~~ (marca de grau aumentativo)
BONITO - expressão facial Ô (marca de grau diminutivo)
FALAR - 2 mãos e movimentos longos (aspecto continuativo)
PEGAR - Cl:5 Classificador para objetos redondos grandes
PEGAR - Cl:F Classificador para objetos pequenos e pequenos
PODER - movimentos da cabeça (negação): NÃO-PODER
POSSÍVEL - movimento inverso das mãos (negação): IMPOSSÍVEL
SABER - movimento da mão para fora (negação): NÃO-SABER
morfema
lexical
morfema gramatical
Vejamos algumas ilustrações dos sinais acima:
FALAR
FALAR
SEM-PARAR
FALAR PELOS COTOVELOS
‑
FALAR PELOS COTOVELOS
‑
FALAR
+ aspecto continuativo
‑
|
PEGAR
+ Cl: 5
|
|
PODER/POSSÍVEL
NÃO-PODER IMPOSSÍVEL
|
|
SABER
NÃO-SABER
|
As ilustrações acima são exemplos de formação de palavras por derivação.
CADEIRA é derivado de SENTAR através do movimento repetido do primeiro;
BONITINHO é derivado de BONITO através da adjunção da expressão facial ~~ ,
marca de grau aumentativo; BONITÃO é derivado de BONITO através da adjunção do
afixo expressão facial Ô, marca de grau diminutivo; FALAR-SEM-PARAR é derivado
de FALAR através da adjunção da mão esquerda e do alongamento dos
movimentos, marca de aspecto continuativo; PEGAR-BOLA é derivado de
PEGAR através da adjunção do afixo Cl:5, classificador para ‑
objetos
redondos grandes; PEGAR-AGULHA é derivado de PEGAR através da afixação do
morfema gramatical Cl:F, classificador para objetos pequenos e pequenos;
NÃO-PODER é derivado de PODER através do afixo negativo, movimentos
da cabeça para os lados; IMPOSSÍVEL é derivado de POSSÍVEL através da
inversão do movimento de para baixo para os lados, afixo também negativo;
NÃO-SABER e derivado de SABER através da afixação de um movimento da mão para
fora, morfema negativo também.
Através desses exemplos, pudemos observar que as primeiras palavras são
formadas a partir de seus radicais aos quais se juntam afixos ou morfemas
gramaticais, pelo processo de derivação. As palavras ou sinais em LIBRAS também
podem ser formadas pelo processo de composição, isto é, pela adjunção de dois
sinais simples em formas compostas. Por exemplo:
CASA + CRUZ = IGREJA
MULHER + PEQUENO = MENINA
HOMEM + PEQUENO = MENINO
MULHER + PEQUENO = MENINA
HOMEM + PEQUENO = MENINO
Alguns sinais como SENTAR e CADEIRA são distintos quanto à forma para as
categorias verbo e nome, porém, a maioria deles não se distingue quanto às
categorias verbo, nome, adjetivo e advérbio. O que vai definí-las como tal é
sua função na sentença. Podemos, entretanto, ilustrar alguns casos de palavras
que poderiam ser derivadas de outras como é o caso de construir e construção,
em português. Por exemplo, nas sentenças abaixo, identificamos um mesmo item
lexical como nome ou verbo, dependendo da sentença em que aparecem:
ELE NÃO LIMPAR-CHÃO-Cl:Y (com escova)
(=Ele não limpou com escova o chão)
ELE LIMPAR-CHÃO-Cl:Y (com escova) NÃO-Y
(=Ele não fez a limpeza do chão com a escova)
(=Ele não limpou com escova o chão)
ELE LIMPAR-CHÃO-Cl:Y (com escova) NÃO-Y
(=Ele não fez a limpeza do chão com a escova)
No primeiro exemplo, o item lexical LIMPAR-CHÃO-Cl:Y tem uma função verbal.
Entretanto, na segunda sentença, LIMPAR-CHÃO-Cl:Y tem uma função nominal, ou
seja, é um substantivo porque vem acompanhado de um verbo leve, NÃO-Y, que
devido à sua natureza de verbo sem valência não pode ser considerado um nome.
Neste caso, como os verbos chamados leves sempre vêm acompanhados de um nome e
como o único item capaz de preencher esta função nominal é o sinal
LIMPAR-CHÃO-Cl:Y, diremos que ele pode pertencer a ambas categorias:
LIMPAR-CHÃO-Cl:Y - verbo
LIMPAR-CHÃO-Cl:Y - nome
LIMPAR-CHÃO-Cl:Y - nome
O mesmo ocorre com as demais categorias: adjetivo, advérbio.
A LIBRAS, assim como várias línguas de sinais e orais, modula o movimento dos
sinais para distinguir entre os aspectos pontual, continuativo ou durativo e ‑
iterativo.
O aspecto pontual se caracteriza por se referir a uma ação ou evento ocorrido e
terminado em algum ponto bem definido no passado. Em português, quando dizemos
“ele falou na televisão ontem”, sabemos que a ação de falar se deu no passado,
em um período de tempo determinado “ontem”. Em LIBRAS, temos um sinal FALAR
para um contexto lingüístico similar. Por exemplo, ELE FALAR VOCÊ ONTEM (=ele
falou com você ontem). Entretanto, temos também o sinal FALAR-SEM-PARAR que se
refere a uma ação que tem uma continuidade no tempo como no exemplo ELE
FALAR-SEM-PARAR AULA (=ele falou sem parar durante a aula). Vejam estes dois
sinais:
|
FALAR
FALAR-SEM-PARAR
(aspecto pontual) (aspecto continuativo) |
O mesmo ocorre com o verbo OLHAR que pode sofrer alteração em um ou mais de
seus parâmetros e, então, denotar aspecto durativo. Os sinais ilustrados abaixo
poderiam aparecer em contextos lingüísticos como os que se seguem:
|
OLHAR
(pontual)
OLHAR VOCÊ ONTEM VOCÊ NÃO-ENXERGAR (pontual) |
‑
|
OLHAR
(durativo)
ELE FICAR-OLHANDO-LONGAMENTE MAR (durativo) |
|
OLHAR
(durativo)
ELA PASSAR TODOS-OLHAR-CONTINUADAMENTE (durativo) |
No segundo sinal para ‘olhar’, a configuração de mão e o ponto de
articulação mudam de G1 para 5 e dos olhos para o nariz. Com isso temos a
formação de uma outra palavra com valor aspectual durativo.
O verbo VIAJAR com valor aspectual pontual abaixo poderia ser utilizado em
sentenças como PAULO VIAJAR BRASÍLIA ONTEM, enquanto que o sinal verbal com valor
iterativo apareceria em sentenças do tipo PAULO VIAJAR- MUITAS-VEZES. O aspecto
iterativo refere-se a ação ou evento que se dá repetidas vezes. Vejamos os
sinais abaixo:
|
VIAJAR
(pontual)
VIAJAR (iterativo)
|
Esse tipo de afixação que encontramos na LIBRAS, através da alteração do
movimento, da configuração de mão e/ou do ponto de articulação do verbo que
seria considerado raiz ou radical, não é encontrado em português.
‑
A LIBRAS não tem em suas formas verbais a marca de tempo como o português. Como
vimos, essas formas podem se modular para aspecto. Algumas delas também se
flexionam para número e pessoa.
Dessa forma, quando o verbo refere-se a um tempo passado, futuro ou presente, o que vai marcar o tempo da ação ou do evento serão itens lexicais ou sinais adverbiais como ONTEM, AMANHÃ, HOJE, SEMANA-PASSADA, SEMANA-QUE-VEM. Com isso, não há risco de ambigüidade porque sabe-se que se o que está sendo narrado iniciou-se com uma marca no passado, enquanto não aparecer outro item ou sinal para marcar outro tempo, tudo será interpretado como tendo ocorrido no passado.
Dessa forma, quando o verbo refere-se a um tempo passado, futuro ou presente, o que vai marcar o tempo da ação ou do evento serão itens lexicais ou sinais adverbiais como ONTEM, AMANHÃ, HOJE, SEMANA-PASSADA, SEMANA-QUE-VEM. Com isso, não há risco de ambigüidade porque sabe-se que se o que está sendo narrado iniciou-se com uma marca no passado, enquanto não aparecer outro item ou sinal para marcar outro tempo, tudo será interpretado como tendo ocorrido no passado.
Os sinais que veiculam conceito temporal, em geral, vem seguidos de uma marca
de passado, futuro ou presente da seguinte forma: Movimento para trás, para o
passado; Movimento para frente, para o futuro; e Movimento no plano do corpo,
para presente. Alguns desses sinais, entretanto, incorporam essa marca de tempo
não requerendo, pois, uma marca isolada como é o caso dos sinais ONTEM e
ANTEONTEM ilustrados a seguir:
|
ONTEM
ANTEONTEM
|
Outros sinais como ANO requerem o acompanhamento de um sinal de futuro ou de
presente, mas, quando se trata de passado, ele sofre uma alteração na direção
do movimento de para frente para trás e, por si só já significa ‘ano passado’.
Os sinais de ANO e ANO-PASSADO podem ser observados nas ilustrações que se
seguem:
|
ANO
ANO-PASSADO
|
É interessenta notar, que uma linha do tempo constituída a partir das
coordenadas: passado (atrás)- presente (no plano do corpo)- futuro (na frente),
pode ser observada também em línguas orais como o português e o inglês ‑
como
mencionado no início desse curso. Uma estruturação completamente diferente do
tempo foi observada por nós na Língua de Sinais Urubu-Kaapor, língua de sinais
da comunidade indígena Urubu habitante da Floresta Amazônica, onde o tempo
futuro é para cima e o presente no torso do usuário dessa língua. O passado não
parece ser marcado.
Isso levou-nos a considerar que as línguas Portuguesa e LIBRAS não são tão
distintas assim naquilo que não depende de restrições decorrentes da modalidade
visual-espacial, veiculando,assim, uma visão de mundo muito similar, pelo menos
nos aspectos semânticos até o momento estudados por nós.
As diferenças que vimos apontando ultimamente na estruturação gramatical e lexical da LIBRAS e do português parecem não apontar tanto para diferenças culturais mas são sim devidas ao fato de a primeira usar o espaço e de a segunda utilizar o meio acústico, para estruturar os significados lexicais e gramaticais.
As diferenças que vimos apontando ultimamente na estruturação gramatical e lexical da LIBRAS e do português parecem não apontar tanto para diferenças culturais mas são sim devidas ao fato de a primeira usar o espaço e de a segunda utilizar o meio acústico, para estruturar os significados lexicais e gramaticais.
A quantificação é obtida em LIBRAS através do uso de quantificadores como
MUITO, mas incorporar a quantificação, prescindindo, pois, o uso desse tipo de
palavras. Assim, podemos observar nos exemplos com o verbo OLHAR acima que o
olhar pontual é realizado com apenas um dedo estendido enquanto que os outros dois
sinais são realizados com as mãos abertas, ou seja, com os dedos estendidos.
Dessa forma, esse tipo de alteração do parâmentro Configuração de Mão
iconicamente representa uma maior intensidade na ação (FICAR-OLHANDO-LONGAMENTE)
ou um maior número de referentes sujeitos (TODOS-FICAR-OLHANDO). Essa
mudança de configuração de mãos, aumentando-se o número de dedos estendidos
para significar uma quantidade maior pode ser ilustrado pelos sinais UMA-VEZ,
DUAS-VEZES, TRÊS-VEZES:
|
UMA-VEZ
DUAS-VEZES
TRÊS-VEZES
|
Às vezes, alongando-se o movimento dos sinais e imprimindo-se a ele um rítmo
mais acelerado, obtem-se uma maior intensidade ou quantidade. Isto é o que
ocorre com os sinais FALAR e FALAR-SEM-PARAR, exemplificados acima e com os
sinais LONGE e MUITO-LONGE ilustrados abaixo:
‑
|
LONGE
MUITO-LONGE
|
Como se pode observar, os mecanismos espaciais utilizados pela LIBRAS para
obter significados e efeitos de sentido distinguem-se daqueles utilizados pela
Língua Portuguesa. Nesta, as formas ou marcas são muito mais arbitrárias e se
apresentam em forma de segmentos sequencialmente acrescentados ao item ou
palavra modificada. Em LIBRAS, ocorre com muita frequência uma mudança interna,
isto é, uma alteração no interior da própria palavra.
Como algumas línguas orais e como várias línguas de sinais, a LIBRAS possui
classificadores, um tipo de morfema gramatical que é afixado a um morfema
lexical ou sinal para mencionar a classe a que pertence o referente desse
sinal, para descrevê-lo quanto à forma e tamanho, ou para descrever a maneira
como esse referente é segurado ou se comporta na ação verbal.
Os classificadores em línguas orais como o japonês e o navajo são sufixos dos
numerais e dos verbos, respectivamente.
Em LIBRAS, como dificilmente se pode falar em prefíxo e em sufíxo porque os
morfemas ou outros componentes dos sinais se juntam ao radical simultaneamente,
preferimos dizer que os classificadores são afixos incorporados ao radical
verbal ou nominal. Assim, nos exemplos abaixo, pode-se observar o classificador
V e V, que respectivamente, referem-se à maneira como uma pessoa anda e como um
animal anda.
|
ANDAR (para
pessoa) ANDAR
(para animal)
|
O classificador em ANDAR (para pessoa) pode ser utilizado também com outros
significados como ‘duas pessoas passeando’ ou ‘um casal de ‑
namorados’
(no caso das pontas dos dedos estarem voltadas para cima), ‘uma pessoa em pé’
(pontas dos dedos para baixo), etc. Este classificador é representado pela
configuração de mãos em V, como se segue:
|
Uma pessoa
andando Duas
pessoas andando,
ou em
pé
namorando ou passeando
|
O classificador C pode representar qualquer tipo de objeto cilíndrico profundo
como um copo, uma caixa, uma urna como no exemplo abaixo do sinal VOTAR:
|
VOTAR
Classificador C
|
Outros classificadores podem ser os morfemas representados pelas configurações
de mão B e Y como se segue:
|
Classificador
B
Classificador Y
|
O classificador B refere-se e descreve superfícies planas como mesa, parede,
chão, etc. enquanto que o classificador Y refere-se e descreve objetos
multiformes ou com formas irregulares, porém não planos nem finos. O
classificador G1 é que é utilizado para descrever objetos finos e longos.
Inúmeros são os classificadores em LIBRAS, sua natureza semântica e sua função. Entretanto, apenas mencionamos alguns a título de ilustração.
Inúmeros são os classificadores em LIBRAS, sua natureza semântica e sua função. Entretanto, apenas mencionamos alguns a título de ilustração.
‑
As línguas orais e de sinais apresentam vários casos de incorporação de
argumento ou complemento. Por exemplo, em português, podemos citar o verbo
engavetar que, em uma análise sintático-semântica, poderia ser decomposto em um
verbo básico do tipo colocar e em um complemento desse verbo que seria um
locativo na gaveta. Assim, podemos dizer “eu coloquei os livros na gaveta” ou
“eu engavetei os livros”. O constituinte na gaveta, um locativo, argumento ou
complemento de colocar, foi incorporado a este verbo e em decorrência disso
temos a outra forma verbal engavetar que prescinde do locativo como complemento
porque já carrega esta informação em seu próprio item lexical. Temos, pois, uma
forma lexical derivada de outra mais básica, porém, desta vez não pelo processo
de derivação por afixação nem por composição, como discutido acima, mas sim
pelo que se chama de incorporação de argumento.
Em LIBRAS, o processo de incorporação de argumento é muito frequente e visível
devido às características espaciais e icônicas dos sinais. Os três verbos
abaixo ilustram esse tipo de incorporação. O primeiro, o verbo BEBER/TOMAR pode
ser usado sem incorporação em sentenças do tipo:
BEBER CERVEJA (= eu bebi cerveja)
Porém, se o objeto direto do verbo for, por exemplo, café ou chá, o verbo
incorporará este argumento e teremos formas verbais diferentes, como demonstram
as ilustrações a seguir:
|
BEBER,
TOMAR
BEBER-CAFÉ CHÁ (segurar x-tipo de
objeto)
em LIBRAS (CI: B A e CI: F)
|
Outro exemplo de incorporação pode ser ilustrado pelo verbo
ALUGAR/PAGAR-MENSALMENTE em que o verbo PAGAR que normalmente é articulado
sobre a mão de apoio em B passa a ser articulado na mão de apoio (mão esquerda)
em G1, a mesma do sinal MÊS. Assim, uma parte deste sinal incorpora-se ao sinal
PAGAR, substituindo-a. Vejamos o sinal:
‑
|
ALUGAR/PAGAR-MENSALMENTE
|
O mesmo processo de incorporação pode ser também observado no sinal que deriva
do sinal verbal COMER, ao qual se incorpora o objeto direto MAÇÃ:
|
COMER
COMER-MAÇÃ
|
Nossa!! Achei muito difícil de entender, aliás não entendi nada!!
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